O TEMPO - PARTE III |
|
|
NOSSAS VISITAS |
|
|
|
A Análise
Política ficou Impossível no Brasil
Publicado em: 05/08/2008
Volto ao “Batman” porque o vejo agora diferente
Fui ver o "Batman" de novo e, como o Xexéo disse, vi um filme
diferente. Não do que ele assistiu, mas diferente do que eu tinha
visto. Muita coisa tinha me escapado, não porque o filme seja
"complexo", mas porque é "emaranhado".
Isso. Assim como o mistério da arte é abolido no "entretenimento"
(palavra-chave do show business), nos atuais filmes de ação, a
"complexidade" é substituída por um simulacro: o proposital
"emaranhamento", que nos dá a sensação de "profundo".
Porém, se descascamos as camadas de significação, em meio ao enxame
de efeitos especiais, da montagem frenética, incessante, podemos ver
"Batman" como "sintoma", como queriam os antigos professores da "filmologia"
francesa.
Assim, tento apontar indícios do mundo que produziu "Batman" e
alguns fatos e sentimentos inconscientes que ele evoca.
Nos filmes violentíssimos dos anos 70, com atores brutais como
Sylvester Stallone, Hollywood inventou o prazer do sangue, das facas
dentadas, dos peitos estourados, das metralhadoras fálicas. Era a
safra do cinema pós-Vietnã, como uma vingança na tela pela derrota
humilhante dos norte-americanos pelos magros guerreiros comedores de
arroz; eram um show de força para compensar o fracasso da guerra.
Mais tarde, antes do 11 de Setembro, rolou a grande onda de filmes
sobre a destruição de Nova York.
Podem conferir: os Estados Unidos invadidos por "godzillas", por
discos voadores letais, por asteróides, por explosões no
"Armageddon" (há em "Godzilla" uma cena absolutamente igual à
multidão real de 2001, fugindo pela rua, com as torres se suicidando
ao fundo).
Osama Bin Laden realizou essa volúpia destrutiva, esse estranho
sonho de auto-extermínio dos norte-americanos. Por quê? Ninguém
filma Paris acabando ou Londres em pó. Mas, norte-americano
paranóico só pensa em inimigos. As próprias torres encarnavam uma
arrogância arquitetônica, pedindo bombardeio.
Com a tragédia do WTC, algo mudou. Dá para ver em "Batman" que a
queda das torres está ali, como uma cicatriz na dramaturgia. Estava
criada a era de ambivalência no cinema. Acabaram mocinhos X
bandidos.
Depois, tanto a violência dos "estoura-peitos" e o suicídio virtual
dos filmes-catástrofe deram lugar a uma cultura de massas mais
"reflexiva". Hollywood, claro, comercializou essa "crítica ao
sistema" com heróis anarquistas ou psicopatas ameaçando a boa
sociedade.
E mais: com a espantosa evolução da reprodução digital, nasceu um
novo tipo de violência - a violência simbólica, a violência da
forma, as tempestades de cortes infinitos.
Esses filmes desabam torres de som e imagem sobre nossas cabeças,
nossos olhos ficam cegos diante de tanta informação, que jorra como
lava para não pensarmos. Nos filmes de ação de hoje, as personagens
principais são as coisas, os computadores, a velocidade, os
celulares mágicos, a virtualidade.
Somos manipulados como um videogame ao avesso, onde nós somos o
jogo. E, ao sair, pensamos; onde está a vida real?
Onde estão os comportamentos humanos verdadeiros?
Já se disse que o 11 de Setembro em Nova York foi o único momento de
retorno do real na escalada do mundo virtual. Por isso, só nos resta
detectar alguma realidade não no filme, com seus clichês morais, mas
na produção que o criou. A realidade está fora da tela, em
motivações inconscientes.
"Batman" nos fascina há décadas porque é o super-rico que defende os
homens comuns. Uma espécie de Rockefeller com asas, um bilionário a
favor do povo. Onde estão esses bilionários do bem? Salvando a
África, abrindo concessões em Doha? Há! Há!
Por outro lado, o revolucionário Coringa ataca o povo, mas despreza
o dinheiro e o queima. Curinga é o superpsicopata com visão de mundo
que parece saber mais que nós, caretas mergulhados em dúvidas
morais. Sim, ele é uma metáfora do Osama e seus homens-bomba.
Osama, o Curinga do deserto, acabou com a idéia de guerra. Osama nos
ataca de outro tempo - fora da história.
Ao errar o alvo contra a Casa Branca, os terroristas acertaram num
poder muito maior, primeiro sinal de que a ordem política não
significava muito mais. O verdadeiro poder estava em outro lugar. No
"Batman", a política e a polícia tentam dar conta da imensidão da
corrupção e da criminalidade global. "Batman" é a elaboração "a
priori" de outros atentados que acontecerão, um dia. Quando
Osama-Curinga atacará de novo?
"O terrorismo não tem motivos concretos, não tem sentido algum num
mundo saturado de sentido, de eficácia, de finalidade. O terrorismo
é uma singularidade. E a finalidade única da singularidade é
destruir a totalidade" - resumiu com brilho Jean Baudrillard.
Este filme não é o Bem contra o Mal.
É o Controle contra a Anarquia. Controle que o próprio filme, em sua
forma, exerce sobre nossas cabeças. Gozamos o tempo todo com o mal
e, no final, os produtores nos "concedem" o arbítrio de escolher o
bem, quando a tecnologia e as cenas celebram o mal durante toda a
projeção. Este "meio" é muito mais importante que as "mensagens"
que, ao final, vêm magramente em pequenas lições morais defendendo a
família, a solidariedade, o amor. Como apontou o A. Bloch, permite
hipocritamente que Batman aja além da lei. Batman invade Hong-Kong e
concorda em ocultar a loucura do promotor que cai na vingança do
"olho por olho". E parece dizer: "Isto tudo é porque estamos em um
tempo de exceção". O filme é uma elaboração da "política do medo"
sim e de leis tipo Patriotic Act (Ata Patriótica).
Há uma suprema ironia no final. No filme, o Curinga não morre, para
permitir a continuação da saga, para os lucros de futuras produções.
Mas, na vida real, o Curinga Heath Ledger morre sim, logo depois.
Que prejuízo...
Na verdade, nada disso tem importância. É apenas um filme; mas é um
claro sintoma da inquietante sociedade que o produziu.
|
|