O TEMPO - PARTE III |
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O Sapo e o
Tucano - Parte dois (*)
Publicado em: 08/07/2008
Depois do primeiro mandato, a fábula continua
Por que me odeias, oh, sapo barbudo? - perguntou o tucano - Achas
que eu sujo a água que bebes no rio do poder?
O sapo barbudo respondeu:
- Eu é que pergunto por que me despreza com seu bico de doutor? Só
porque eu vim da caatinga, porque não pude estudar e vendi picolé na
rua? Ou porque tenho um poder mais alto que qualquer tucano?
- Não, caro sapo, eu até te invejava: foste um súbito símbolo
irrompendo no mundo universitário. O jovem sindicalista com a barba
negra e gestos épicos diante da massa de metalúrgicos nas greves do
ABC fizeram a crítica prática dos ideológicos idiotas. Nós da USP
nunca tínhamos visto um operário real. Conhecíamos faxineiros de
nossas casas, entregadores de pizzas, mas tu despontaste como uma
estátua leninista a preencher os sonhos infantis de intelectuais
paulistas. Trêmulos professores, te amamos como uma alegoria viva,
foice e martelo na mão com o dedo decepado. Eras a primeira novidade
da esquerda pós-64. Algumas professoras da USP se entregaram a ti,
sugando tua energia sexo-política. Estivemos juntos nos palanques
contra a ditadura, lembras?
O diálogo do sapo com o tucano, na beira do rio, era ouvido com
ansiedade pela "baixa bicharada" da floresta: toupeiras,
cachorros-do-mato, ratões do campos, cobras criadas, aranhas
fisiológicas, baratas leprosas, botos-tucuxi, vermes evangélicos.
- Não; você me menospreza, me subestima...
- Não!
- redargüiu o tucano
-, nós até criamos um partido inspirados por ti. Tu renovastes a
esquerda do país no final dos anos 70, criando uma política prática,
de resultados. Aprendemos com tua "ignorância sábia" e fundamos o
tucanário do PSDB. Infelizmente, surgiram os urubus leninistas,
nostálgicos de revolução, e invadiram teu partido, para te usar e
chegar ao poder...
Um murmúrio percorreu a "baixa bicharada" que ouvia em suspense:
"Nada disso! Benditos sejam nossos líderes marxo-urubus que
emprestaram um charme utópico a nossos interesses sindicais e
pelegos!", ganiu um cachorro-do-mato.
- Nos últimos 25 anos, essa cáfila de bolchevistas - inflamou-se o
tucano - transformou tua inteligência instintiva em boçalidades
ideológicas e tua PT-toca abrigou todos os asnos da velha esquerda.
Nesta época, achávamos que, com o fim da ditadura, o Brasil estaria
salvo, mas um bichinho mudou nosso destino - um micróbio enfiou-se
na barriga de Tancredo, a sutil raposa mineira eleita nas
"indiretas" depois dos anos-gorilas e matou-o na hora da posse. Quem
subiu foi outra raposa, nordestina, bigoduda, que levou o pais até
50% de inflação ao mês, lembras-te?
Depois, veio o lobo com pele de cordeiro, ou melhor, um abutre com
cara de águia cercado de carcarás e calangos da caatinga, que fez
tanta maracutaia que acabou expulso do cerrado do Planalto. Em seu
lugar, "vicejou" um jeca-tatu que teve, por acaso, o mérito de me
lançar para presidir a zorra da floresta - enfunou-se o tucanão
vaidoso.
- E você me derrotou, eu que queria reinar havia duas décadas...
- Sim, venci; mas esperava o teu apoio, sapinho, pois sabíamos que
nossa dupla podia ser um sucesso. Mas teus urubus leninistas
massacraram-me por oito anos, aliando-se até com os vermes mais
sujos para me infernizar... Foram contra o Plano Real , contra a Lei
de Responsabilidade Fiscal, contra tudo.
- E´- desculpou-se o sapo presidente -, meus conselheiros, os urubus
Dirceu e Berzoini, me convenceram que, segundo Mao Tse-Tung, você
era o "inimigo principal"!
- E agora, sapo ingrato, tudo que dá errado em teu governo tu pões a
culpa em mim, na tal "herança maldita", dando ouvido a antas
rancorosas. Tu preferes te aliar com a pior das lacraias do que
comigo. Queres que eu morra com a boca cheia de formigas, esquecendo
do tempo em que distribuíamos panfletos na porta da Volks... Mas,
agora que tu te livrastes dos parasitas que te sugavam, com a ajuda
do ex-elefante Roberto Jefferson, tu podes fazer as reformas que não
deixaram. Se enxugares o Estado, se diminuíres os gastos públicos,
privatizares estatais de ladrões, tu virarás o melhor, o sapo-rei
desta floresta tropical!
- Tem razão; vamos nos unir então, companheiro tucano, conosco
ninguém pode!
- Isto, irmão sapo! Unidos, consertaremos esta bosta! Não
precisaremos nos aliar às minhocas corruptas e bichos severinos que
infestam a Câmara. E vamos logo, pois o dragão da inflação, o
boitatá de olhos de fogo, já ronda a floresta!
Um frêmito de pavor eriçou a bicharada: "Se eles se unirem, estamos
fu&#dos! Vamos perder nossos buracos, nossas tocas dentro do
governo" - uivaram sanguessugas, bugios, gambás, furões e morcegos.
"Esta aliança é a morte da bicharada!"- grunhiu uma toupeira para um
gafanhoto-de-Rondônia.
Um macaco pelego subiu no galho e berrou: "E nós? Vai nos
desempregar, nos despedir, sapo-rei?" "Não admitiremos!" - ecoaram
aranhas cutistas e piranhas burocráticas."
Neste momento, uma hiena salvou tudo. Começou a gargalhar, uivando
de ironia, interrompendo o interlúdio afetivo que despontava entre o
sapo e o tucano.
- Vai governar como, hein, "cumpanhero" sapo? Como? Sem nós, você
não é ninguém! Você já obedeceu os "genoinos urubus", mas ainda
precisa de nós, a pelegada da pesada!
Aí, o sapo engasgou, coaxou e ficou "cururu" na beira do rio.
- É... dr. tucano.... Infelizmente, tenho de atender aos 100 mil
cupins que estão nas frestas do Estado...
- E tem mais, gargalhou a hiena, é melhor logo um terceiro mandato
para garantir toda a bicharada!
Ouvindo isso, o sapo inchou de cobiça e coaxou alto, vaidoso:
"É isso aí, cumpanheiros do mato! Digam à bicharada toda que eu
fico!"
Cabisbaixo, o tucano voou para longe e a arraia miúda, a escória da
selva, celebrou sua continuidade no "pudê".
Foi um triunfo de uivos, grasnidos, cacarejos, ululações em coro:
"Rato, pato, gato,/ viva o terceiro mandato!"
Foi aí que veio o dragão da inflação e comeu todo mundo. E acabou-se
a história.
(*) A primeira versão foi publicada no primeiro mandato.
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