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Os
Psicopatas são os Novos Heróis do Cinema e da TV
Publicado em: 25/11/2008
A propósito de Flora, que amamos odiar
A extrema maldade de Flora na novela "A Favorita" nos faz indignados
e fascinados. Patrícia Pillar esta dando um show, como também Glória
Pires fez no passado com Maria de Fátima em "Vale Tudo", que iniciou
a leitura da psicopatia brasileira. Ela esta em toda parte, na
política principalmente, na busca louca do sucesso e na fuga do
anonimato e em sua decorrência: o crime. Antigamente, nos romances e
filmes, nos identificávamos com as vítimas; hoje, nos fascinamos com
os vilões. Não torcemos mais pelos mocinhos - torcemos pelos
bandidos. Por quê? Bem, porque os psicopatas são o nosso futuro, a
vida moderna nos levará a isso. Pensem no último Coringa do Batman,
interpretado pelo falecido Heath Ledger.
Diante dos cadáveres, da miséria, do cinismo, somos levados a
endurecer o coração, endurecer os olhos, a ser cínico em busca de um
funcionamento "comercial". Do contrário, seremos descartados,
tirados "de linha" como um carro velho. A sociedade está parindo
legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou light. Nem
todo psicopata esquarteja mulheres no parque. O livro "Mentes
Perigosas", da psiquiatra Ana Beatriz B. Silva, nos dá medo: a cada
25 pessoas, uma é psicopata. Podem passar a vida toda
tranquilamente, prejudicando os outros, sem nunca serem descobertas.
O psicopata light, que não faz picadinho de ninguém, tem as mesmas
molas que movem o esquartejador. Ele parece muito sadio e simpático.
Não é nervoso nem inseguro. Tem encanto e inteligência; sem
afetividade ou culpa para atrapalhar, tem uma espantosa capacidade
de manipulação dos outros, pela mentira, sedução e, se precisar,
pela chantagem. Questionado ou flagrado, o psicopata sempre se acha
inocente ou "vítima" do mundo, do qual tem de se vingar.
Ele, em geral, não delira. Suas ações mais absurdas e cruéis são
justificadas como lógicas, naturais, já que o "outro" não existe.
Não sente nem remorso nem vergonha do que faz (o que nos dá uma
secreta inveja).
Ele mente compulsivamente, muitas vezes acreditando na própria
mentira, para conseguir poder. Seu fraco "amor" aparece apenas como
posse ou controle. Não olha para dentro de si, nem aprende com a
experiência, simplesmente porque acha que não tem nada a aprender.
O psicopata não deprime. Ele atua e pode fazer muito sucesso num
mundo onde a alegria falsa e maníaca é obrigatória. Estes tempos de
alegria obrigatória são "sopa no mel" para os psicopatas, os
chamados psicóticos "sãos" como os nomeiam alguns psicanalistas
hoje.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de "funcionar", temos de rir,
de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de
ser uma mímica dos produtos de "qualidade total". Para isso, há o
Prozac, o Viagra, os uppers, os downers; senão, nos encostam como
arcaicos. "A depressão não é comercial", me disse uma bichinha
chorando, um costureiro à beira do suicídio que tinha de sorrir
sempre, para as freguesas, para as fotos, senão perdia a clientela e
a fama.
No entanto, a depressão importa. A melancolia é fundamental para a
criação e para a felicidade. Estamos erradicando uma força cultural
brutal, a musa por trás de muita arte, poesia e música. Estamos
aniquilando a melancolia.
Há uma nova ciência, a ciência da felicidade. Parece realmente ser
uma era de perfeito contentamento, um grande mundo novo de sorte
persistente, alegria sem problemas, felicidade sem penas. Mas, sem
um desencanto com o sentido da vida, sem um ceticismo crítico, sem a
morte no pensamento, ninguém chega a uma reflexão decente. A
melancolia, longe de ser uma mera doença ou fraqueza de espírito, é
quase um convite milagroso para transcender esse status quo banal e
imaginar as inimagináveis possibilidades de existência. Sem
melancolia, a Terra iria provavelmente se congelar num estado fixo,
tão previsível como o metal. Só com a ajuda da angústia constante
este mundo à beira da morte pode ser transformado, reavivado, levado
ao novo.
Quando nós, com aparente felicidade, nos seguramos numa ideologia
qualquer, este mundo subitamente parece entrar numa coerência
estática, uma divisão rígida entre o certo e o errado. O mundo,
dessa forma, torna-se desinteressante, morto.
No Brasil, com a crise das utopias e com a exposição brutal de um
escândalo por dia, com a propaganda estimulando a ridícula liberdade
para irrelevâncias, temos o indivíduo absolutamente sozinho. Isso
leva a um narcisismo desabrido, base da psicopatia. Somos hoje sem
limites morais em luta por um lugar ao sol. Ou pela fama ou por um
golpe na praça. Queremos ser ricos ou famosos. A sobrevivência
moderna precisa do crime, cada vez mais.
E esse comportamento está deixando de ser uma exceção. O psicopata é
um prenúncio do futuro, quando todos seremos assim para sobreviver.
A velha luta pela ética, pela paz, pela solidariedade está virando
uma batalha vã. Esses sentimentos humanos só foram possíveis
"historicamente". Raros foram os momentos em que vicejaram. Os
chamados comportamentos "humanos" estão se esvaindo na distância. O
que é o "humano" hoje? O "humano" está virando apenas um lugar-comum
para uma "bondadezinha" submissa, politicamente correta. O "humano"
é histórico também. Talvez não haja mais lugar para esse conceito,
que é mutante. Somos máquinas desejantes que nos transformamos com o
tempo e a necessidade.
Antes, os psicopatas tocavam num mistério que não queríamos
conhecer. Tínhamos medo deles. Hoje, temos de competir com os
psicopatas, que em geral nos vencem, com sua eficiência, rapidez e
falta de escrúpulos. Estamos vendo que essa antiga doença vai acabar
virando uma "virtude" no futuro.
Ficou arcaica a idéia de compaixão e um dia seremos tocados pela
graça da insensibilidade. Como os psicopatas. Temos de esfriar o
coração para viver no Brasil. Por enquanto ainda falamos "Que
horror!", mas um dia chegaremos a um coração perfeitamente frio. Um
dia seremos todos psicopatas.
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