NOSSAS VISITAS |
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Nunca a Burrice
fez Tanto Sucesso
No Brasil e no mundo, a estupidez anda triunfante
Quando vi a cabeça decepada do pobre americano, com seu bigode
morto, tristemente olhando o nada, com a sombra do carrasco e seu
alfanje por trás, pensei horrorizado:
A burrice, a estupidez mais crassa está tomando o poder no mundo. A
crescente complexidade da vida social, a superpopulação, o fracasso
de ideologias, o declínio da esperança, tudo leva os homens a uma
infinita fome de burrice, seja pela religião fanatizada ou pelo
desejo de um populismo autoritário.
Nos anos 60, parecia que o mundo ia descobrir um re-encantamento
laico, com a glória da juventude, a alegria da democracia criativa,
que a inteligência teria um lugar no poder, que a ciência e a arte
iam nos trazer uma nova
beleza de viver. Em 68, não foram apenas as revoltas juvenis que
morreram; começou a nascer uma vida congestionada, sem espaço para
sutilezas de liberdade. Os anos 70 foram inaugurados com a frase de
Lennon de que “o sonho acabara” e com a morte sintomática de Janis
Joplin e Hendrix, com o fim dos Beatles e com a chegada dos caretas
“embalos de sábado à noite”. Parece bobagem, mas eram sintomas. Uma
falsa “liberdade” jorrou do mercado de massas e a volta da burrice
foi triunfal.
O mercado e o poder começam a programar nosso desejo por simplismos
e obviedades. Cresceu na sociedade uma sede da burrice, como mostra
a declaração de muitos jovens austríacos que disseram há tempos:
“Votamos no Haider (o neonazista) porque não agüentamos mais a
monotonia da política”, o tédio do “bem”, do “correto”, do
“democrático”!
Sente-se no ar também uma grande fome de chefes. Daqui a um tempo
pode ser que ninguém queira ser livre. Ninguém quer a liberdade
fraternal. O sucesso planetário dos evangélicos, as massas delirando
com ídolos de rock mostram que em breve talvez ninguém agüentará a
solidão da democracia, todos vão querer exércitos de slogans
irracionais e o fundamentalismo da crueldade pratica, das “soluções
finais”.
A grande sedução do simplismo (e do mal) é que ele é uno, com
contornos concretos, visível. Mata-se um sujeito e ele cai, vira uma
“coisa nossa”, apropriada como objeto total. Nada mais claro que um
cadáver, decapitado no
Iraque ou na favela do Rio. Por outro lado, a democracia, pressupõe
tolerância, autocontrole da parte maldita animal, implica em
renuncias, implica numa angustiosa contemplação da diferença, em
meio a uma paz hoje sinistra, num tédio de catástrofes sem sangue. A
estupidez, não: ela é clara, excitante, eficiente. Há a restauração
alegre da parvoíce, da imbecilidade, sempre com a sombra da
“direita” ou da “esquerda” por trás. Lá fora, Forrest Gump, o
herói-babaca, foi o precursor; Bush é seu efeito.
Ele se orgulha de sua burrice. Outro dia, em Yale, ele disse: “Eu
sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos
EUA”. É a vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras.
Inteligência é chato; traz angustia, com seus labirintos.
Inteligência nos desampara; burrice consola, explica. O bom asno é
bem-vindo, enquanto o inteligente é olhado de esguelha. Na burrice,
não há duvidas. A burrice não tem fraturas. A burrice alivia - o
erro é sempre do outro. A burrice dá mais ibope, é mais fácil de
entender. A burrice até dá mais dinheiro; é mais “comercial”. A
burrice ativa parece até uma forma perversa de “liberdade”. A
burrice é a ignorância ativa, a burrice é a ignorância com fome de
sentido. O problema é que a burrice no poder chama-se “fascismo”.
No Brasil, contaminado pelo ar-do-tempo, a burrice e a fome de
simplismo dominam a política, a cultura e a vida social. Vivemos em
suspense, pois o pensamento petista é ambivalente e, apesar da base
pragmática de Lula no
ABC, contém em seu corpo a idéia de “confronto”, de “luta de
classes”, contém nas cabeças a idéia de “tomada” de poder, de
“revolução”, como tumores inoperáveis. Apesar do governo tentar
aprofundar a herança de FHC,
com a reforma do Estado e o respeito à democracia, qualquer marola
faz aparecer o maniqueísmo subjacente. Lula é mesmo uma contradição
encarnada: operário e presidente, excluído e incluído,
ex-revolucionario e reformista,
o que faz esse governo pensar e trabalhar com conceitos
deterministas que caducaram. Por outro lado, ninguém tem certeza de
nada, fica tudo numa zona cinzenta de “achismos” e profecias
emocionais. Rola no governo um micro bolchevismo e uma mal-ajambrada
pratica da democracia e das alianças que nos leva uma paralisia que
pode ser chamada de burrice. Essa ambivalência provoca a falta de
coragem para tentar, para imaginar, para errar. A mula empaca entre
duas estradas. A burrice ideológica atrapalha a vida nacional,
retardando processos, escolhendo caminhos tortos. Está na raiz de
nosso populismo caipira de “esquerda”. Muita gente acha que a
burrice é a moradia da verdade, como se houvesse algo de “sagrado”
na ignorância dos pobres, uma sabedoria que pode desmascarar a
mentira “inteligente” do mundo. “Só os pobres de espírito verão
Deus”, reza nossa tradição. Nesta festa caipira que rola no poder
petista, há uma grande fome de regressismo, de voltar para a “taba”,
para ou o casebre com farinha, paçoca e violinha. Muitos acham que,
do simplismo, da santa ignorância viria a solidariedade, a paz, que
deteria a marcha do mercado voraz, da violência do poder. É a utopia
de cabeça para baixo, o culto populista da marcha-a-ré.
Outro dia, vi na TV um daqueles “bispos” de Jesus de terno-e-gravata
clamando para uma multidão de fieis: “Não tenham pensamentos livres;
o Diabo é que os inventa!”.
Qualquer programa de uma nova esquerda, de uma terceira via, tem de
passar pela aceitação da democracia. Dividido, esquizofrênico, como
disse Dirceu - seu lado maníaco - o PT que hoje está no Executivo
nos mostra como a luta de classes atua até na microfísica de uma
organização política, como um bando de pequenos burgueses pode
atrapalhar seus próprios objetivos. Nunca a burrice fez tanto
sucesso.
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