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O Amor Deixa
Muito a Desejar A música veio mesmo a calhar, pois ando com uma fome de arte, ando com saudade da beleza, ando com saudade de tudo, saudade de alguma delicadeza, paz, pois já não agüento mais ser apenas uma esponja absorvendo e comentando os bodes pretos que os políticos produzem no Brasil e o Bush lá fora.
Ando meio desesperançado, mas essa
canção de Rita trouxe de volta a minha mais antiga lembrança de
amor. Isso mesmo: a canção me trouxe uma cena que, há mais de 50
anos, me volta sempre. Sempre achei que esse primeiro momento foi
tão tênue, tão fugaz que não merecia narração. Mas, vou tentar. Ela deve ter me olhado no fundo dos olhos por uns três segundos mas, até hoje, eu me lembro exatamente de sua expressão afogueada e vi que ela sentira também algum sinal no corpo, alguma informação do seu destino sexual de fêmea, alguma manifestação da matéria, alguma mensagem do DNA.
Recordando minha impressão de menino,
tenho certeza de que nossos olhos viram a mesma coisa, um no outro.
Senti que eu fazia parte de um magnetismo da natureza que me
envolvia, que envolvia a menina, que alguma coisa vibrava entre nós
e senti que eu tinha um destino ligado àquele tipo de ser, gente que
usava trança, que ria com dentes brancos e lábios vermelhos, que era
diferente de mim e entendi vagamente que, sem aquela diferença, eu
não me completaria. Ela voltou correndo para o jogo, vi suas pernas
correndo e ela se virando com uma última olhada.
Escrevendo agora, percebo que aquela
sensação de profundo "sentido" que tive aos 6 anos pode ter marcado
minha maneira de ser e de amar pelos tempos que viriam. Senti a
presença de algo belíssimo e inapreensível que, hoje, velho de
guerra, arrisco dizer que talvez seja essa a marca do amor: ser
impossível. Calma, pessoal, claro que o amor existe, nem eu sou um
masoquista de livro, mas a marca do sublime, o momento em que o
impossível parece possível, quando o impalpável fica compreensível,
esse instante se Isso: felicidade e medo, a sensação de tocar por instantes um mistério sempre movente, como um fotograma que pára por um instante e logo se move na continuação do filme.
Sempre senti isso em cada visão de
mulheres que amei: um rosto se erguendo da areia da praia, uma
mulher fingindo não me ver, mas vendo-me de costas num escritório do
Rio... São momentos em que a "máquina da vida" parece se explicar,
como se Todas essas tênues considerações, essas lembranças de lembranças, essa tentativa de capturar lampejos tão antigos, com risco de ser piegas, tudo isso me veio à cabeça pela emoção de me ver subitamente numa música, parceiro de Rita Lee, "lovely Rita", a mais completa tradução de São Paulo, essa cidade cheia de famintos de amor.
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